“É um mundo estranho, não é?” Uma lente voyeurística sobre Veludo azul, de David Lynch*

Veludo azul, de David Lynch (1986), é um filme que segue a trilha dos romances de formação, desenvolvido em meio a uma mistura de investigações criminais e psicológicas, sexualidade transgressiva, amor romântico e violência psicopata – tudo isto apresentado na linguagem cinematográfica única do autor. Trata-se de uma linguagem que apela à nossa curiosidade consciente para compreender a narrativa do enredo e o comportamento dos personagens, mas também nos convida a nos relacionar com nossos próprios medos e desejos inconscientes mais profundos.

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Sobre falas e corpos

Foi, como sabemos, a célebre paciente de Breuer, Anna O., quem, com grande perspicácia, usou pela primeira vez a expressão talking cure para designar o método experimental de dissolução de seus sintomas histéricos através de relatos realizados sob hipnose. Breuer e Freud (1893/2016), confrontados com assombro e entusiasmo a esse intrigante efeito terapêutico das palavras, descreveram, por sua vez, aquilo que experimentava sua paciente como um “apaziguamento pela fala” (p. 53) ao ser “um sintoma resolvido pela fala” (p. 62) e, portanto, as manifestações patológicas “eliminadas pela narração” (p. 60).

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“A psicanálise será, então, vista como uma prática meditativa moderna; uma meditação ‘racional’ a dois”

Esta conversa com Sudhir Kakar – que vestia kurta, colete e calça – começa no movimentado café da Universidade de Ambedkar, no sul de Nova Délhi, e termina em um intercâmbio escrito – mais propício às perguntas que lhe proponho. Oralidade e textualidade se fundem, assim como o fazem Oriente e Ocidente nesse psicanalista, escritor e intelectual indiano. Uma das personalidades mais influentes do mundo, segundo publicações como Le Nouvel Observateur e Die Zeit, intérprete da mentalidade indiana, ele está acostumado tanto a dar palestras na Europa e nos Estados Unidos quanto a conversar com sabedoria de guru com Dalai Lama ou estrelas hollywoodianas.

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Poder: modo de usar

Se em seu início a psicanálise toma como parceira maior a literatura – “ainda impressiona singularmente que as histórias clínicas que escrevo possam ser lidas como novelas” (Freud, 1895/2016, p. 231) –, talvez porque cinema e psicanálise tenham surgido na mesma época, não tarda muito para que o cinema com suas imagens em sala escura, tão próximo do sonho, passe também, tanto quanto a literatura, a fazer parte do acervo imaginativo dos psicanalistas.

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