Raya Zonana1
A mi me toca hablar después de Mariano, ser editora despues de Mariano. Es mi destino… No es um destino sencillo y fácil, es desafiador porque Mariano abre el camino y un camino muy lindo, amplio, vigoroso! Hay que seguir!
Queridos amigos gracias por estarmos aqui juntos, hoy. Voy hablar poco, Mariano a dicho todo e tan bién. Voy hablar despacio, em português.
Mudou o idioma! Espero que me entendam.
Eu agradeço, antes de mais nada, a todos vocês que de alguma forma se aproximaram e trabalham duro na revista: à equipe incansável, aos autores que nos enviam textos belíssimos e consistentes, aos leitores com os quais trocamos ideias e podemos crescer. Todos formam e fazem crescer a comunidade Calibán que deu um novo tom, novas formas, novas cores à Fepal.
Habemus revista!
Linda, jovem em dois idiomas que nos representam.
Eu acho que posso começar por aí, posso começar por dizer que as trocas de e-mails e as reuniões de todos que trabalhamos em Calibán, sempre foram feitas nos nossos idiomas de origem, nunca precisamos de tradução. De alguma maneira, todos nos compreendíamos e nos compreendemos em nossa estrangereidade, e a respeitamos, o que não é muito comum em nossos dias no mundo conturbado em que vivemos. Mais do que isto, explorávamos e exploramos mutuamente as nossas diferenças.
Como fizemos para viver juntos durante os 10 anos e as 21 edições de Calibán?
Atravessados por centenas de milhares de e-mails em espanhol e português que sobrevoaram o espaço virtual, como fizemos para nos manter em Calibán e manter Calibán nestes 10 longos anos que ao mesmo tempo passaram tão rápido, tão prazerosos?
Quando comecei a escrever estas breves palavras, lembrei-me de um texto de Slavoj Zizek, escrito na época em que começou a pandemia. Todos escrevíamos e todos líamos tudo. Era uma febre, uma tentativa manter laços apesar do isolamento. Surgiu um livro: A sopa de Wuhan.
Neste texto, Zizek escrevia que após a experiência, aparentemente óbvia de que de cada um de nós depende a vida do outro, talvez: “um outro vírus ideológico e muito mais benéfico se propagará e com sorte nos infectará, o vírus de pensar em uma sociedade alternativa, uma sociedade que se atualiza a si mesma nas formas de solidariedade e cooperação global.”
Infelizmente, basta olhar em torno para vermos que, infelizmente, isto não aconteceu. No entanto, eu suponho que possa ter sido uma mutação deste vírus do qual fala Zizek, que contagiou aqueles que tiveram contato com o projeto Calibán e nele se engajaram.
Em um Congresso da Fepal em 2012, em São Paulo, como lembrou Mariano, era lançado o primeiro número da revista: Tradição/Invenção. O título, por si só, representa o ideário da revista.
Neste título ressoam muitas das referências que construíram Calibán. Uma delas, Mariano lembrou, foi o espírito antropofágico. Movimento de vanguarda em SP, no início dos anos 20, em que apreender a cultura das metrópoles europeias, metabolizando e transformando-as com a história dos povos originários e dos povos negros escravizados, era uma maneira de reinventar a tradição.
Também nós, psicanalistas, temos uma história de formação semelhante. Tomamos a psicanálise vinda da tradicional Europa e fazemos uma psicanálise que construímos, inventamos dentro do nosso território, com nossa ideias próprias.
Uma psicanálise que podemos chamar de chicana, mulata, criolla, chola, mestiça. É assim que Calibán escreve a psicanálise.
No número Poder, o querido Jorge Kantor e Wania Cidade me entregaram um texto escrito a quatro mãos e em dois idiomas. O texto tratava do racismo na clínica. Pensei em publicar assim, em dois idiomas, em um “idioma mestiço”. E assim fizemos.
Mudar a língua é mudar o mundo. E este pensamento com o qual concordo, não é originalmente meu, mas sim de Roland Barthes. Barthes diz ainda que escrever tem uma função utópica. “Quem escreve, acredita sensato o desejo do impossível: apreender na escrita o real.”
Se é impossível, está claramente no campo da resistência, terreno em que Calibán transita desde sua criação, há 10 anos.
Resistência ao inscrever-se na história em um movimento de descolonização, resistência em permanecer. Talvez esteja aí algo que permitiu que trabalhássemos e nos mantivessemos juntos, cada um de nós em sua singularidade.
Assim formamos uma comunidade Calibán em uma fértil troca de ideias, e em intermináveis conversações virtuais.
Somos um movimento!
Calibán é uma parte do muito que a psicanálise da América Latina tem a dizer. Um potente, novo e importante instrumento que cria laços.
O desafio do editor desta revista é o de fomentar esta nova língua, este novo mundo para novos leitores, evidenciar o balbucio deste Calibán fepaliano, o balbucio da psicanálise escrita em idiomas latino americanos. A escrita é por si só um convite à mestiçagem, é uma hospitalidade que o autor oferece ao leitor para uma conversação criativa. Ao editor, como um curador de arte, cabe abrir espaço para que o diálogo entre autor e leitor crie uma revista disposta ao enfrentamento que os psicanalistas do nosso tempo vivemos diante de um mundo também sempre em movimento cada vez mais convulsivo. Cabe ao editor sustentar as transformações, rupturas e enlaces.
Essa foi a busca que me animou a viver junto aos meus companheiros nessa viagem ulissiana de 10 inventivos anos.
Eu concluo citando um poeta latino americano nascido em Buenos Aires, Borges, que na Biblioteca de Babel, escreve:
“Talvez me enganem a velhice e o temor, mas eu suspeito que a espécie humana, a única, está por extinguir-se e que a biblioteca perdurará, iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta. Minha solidão – diz Borges – alegra-se com esta elegante esperança.”
Se eu posso tomar para mim as palavras de Borges, diria que minha elegante esperança é que nesta biblioteca borgiana, iluminada, infinita, estejam todos os números de Calibán. Assim, todos que um dia fizeram esta revista continuarão lá, a viver juntos em suas páginas.
Muchas gracias a todos que me acompañaran em este viaje, e ahora Carolina, toca a ti.
Buen viaje querida amiga!
Raya Angel Zonana
SBPSP
Abril, 2022
Notas
↑1 | Comemoraçao dos 10 anos de Calibán, Como fizemos para viver juntos. Montevideo, maio 2022 |
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